Vanessa Lopes, a Voz Cigana
Atualizado: 4 de mai. de 2023
Vanessa Lopes, é uma jovem cigana, de 27 anos, licenciada em Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa. Atualmente faz palestras, sendo uma ativista pelos direitos humanos.
Trabalha em televisão desde os 19 anos e nos dias de hoje é a voz da rádio da Cova da Beira e é uma mulher cigana. Hoje, incentiva os jovens ciganos a estudar e a fazer as melhores escolhas.
O gosto pela televisão começou desde cedo quando ia à igreja protestante com a família e ajudava com o canal online da instituição. O fascínio pelo mundo da comunicação levou-a a querer prosseguir com os estudos, sendo hoje a mulher que dá a voz pela comunidade cigana.
Na entrevista ao Love with Pepper, Vanessa conta-nos como é ser mulher cigana, como vive as tradições, os amores e desamores e a luta que tem sido para a comunidade ser integrada na sociedade atual.
Como é ser Mulher cigana?
Ser mulher cigana é como ser uma mulher igual às outras, mas com desafios diferentes. Devido à nossa cultura e aos estereótipos que existem à volta do nosso nome, o tal rótulo que muitas vezes nos colocam, nós não conseguimos mostrar do que somos capazes de ser e fazer.
Qual a essência da mulher cigana?
A essência da mulher cigana baseia-se muito na família, ou seja, é um pilar que ela não abdica e quer muito realizar e também o que define muito é a garra e a música que está dentro dela.
Como foi ter uma educação cigana?
A educação cigana é basicamente normal, mas com uma diferença, nós mulheres somos ensinadas a constituir família, sermos boas mães, boas donas de casa, tudo o que seja em volta da família.
Como nasceu a sua paixão pelo o Jornalismo?
Sempre quis muito jornalismo e optei por esta via. Sabia que viria a ser uma referência, inspiração e esperança para muitos dentro da comunidade.
A sua família sempre a apoiou nas suas decisões?
Não me apoiaram, porque são de uma geração mais antiga e mais conservadora e com uma mentalidade diferente. No início não foi muito fácil, mas depois aceitaram e concordaram com a minha decisão.
Como é que a comunidade vê a homossexualidade, transexualidade existe uma aceitação?
É de conhecimento público que a comunidade cigana aceita toda a gente. Simplesmente uma vez que a maioria da nossa etnia se converteu ao Cristianismo e segundo as leis cristãs a homossexualidade não é algo normal. Respeitam, mesmo sendo uma questão social.
Como é que acha que a nossa sociedade vê a comunidade cigana?
A nossa sociedade considera que os ciganos são muito fechados, pouco integrados e por vezes com alguma conotação negativa em relação à comunidade, ou seja, muitas das vezes falam de casos muito isolados para definirem toda uma comunidade e assim criam-se estereótipos. Mas penso que a situação está a mudar e a evoluir com o tempo.
Dentro da comunidade como é vista a mulher cigana divorciada? É possível ela voltar a amar e casar novamente?
Num modo geral o divórcio dentro da comunidade cigana só acontece por um motivo muito forte como violência doméstica e adultério, fora isso não existe motivo para existir o divórcio. Antigamente acontecia e o casamento continuava, mas nos dias de hoje é aceitável e pode-se voltar a casar. Tudo muito bem conversado.
Na sua opinião, como vê o casamento, em que existe a escolha do marido por parte dos pais e muitas dessas mulheres são ainda menores acha a comunidade foi quebrando esse costume?
Hoje em dia, ninguém obriga ninguém a casar-se, nem se promete os filhos. Isso é um mito. Os rapazes e raparigas escolhem com quem querem casar, e como é obvio a família aconselha porque todos os pais querem o melhor para os filhos.
Acha que o facto de ser Mulher cigana afetou as suas relações amorosas e pessoais?
Sim, afeta de alguma forma dependendo o quão a sociedade maioritária está envolvida. Quando as pessoas de cruzam connosco têm sempre aquele receio e preconceito, mas é engraçado e um bocado caricato. Conheci um rapaz que ao aproximar-se de mim e sabendo que eu era cigana, automaticamente o primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi o que a minha família lhe poderia fazer! (risos)
Ainda existem estas ideias que nos vão limitar a forma como os outros se relacionam com a mulher cigana.
Embora nos dias de hoje já existam misturas e já não tem sido um problema. Acho que a comunidade está a começar a evoluir nesse campo.
Alguma vez se apaixonou por alguém sem ser da comunidade?
Sim e fui correspondida e já aconteceu também o contrário. É algo perfeitamente normal e que não tem qualquer problema. Mas na comunidade cigana nós enquanto mulheres não passamos pela fase de namoro. É como antigamente, o estilo corte, vai-se logo para o casamento.
Alguma vez namorou? E porquê?
Não! (risos) Porque não. Nem sequer acho que o venha a fazer. Considero que devo alimentar a minha cultura. Eu Vanessa namoro para casar, ou seja, não ando a experimentar relacionamentos. Assim que aconteça caso.
Acredita que existe amor a 1ª vista na sua comunidade?
De um modo geral sim! (risos) Acredito que deva existir uma empatia inicial e depois o tempo é que vai construir e alimentar a relação.
Concorda que a mulher cigana deve ir virgem para o casamento?
Sim, concordo e é um dos princípios que eu adquiri e não abdico, porque considero que são valores que devem ser mantidos e guardados e vou levar este valor para o resto da minha vida e para os meus filhos.
A mulher cigana sexualmente consegue libertar-se no casamento ou sente algum freio por parte do homem cigano?
O que observo é a nível de experiências familiares. Normalmente quando se está em casal é-se livre e não existe restrições e como não existe namoro e é logo o casamento não há qualquer impedimento em relação às mulheres para estas não se libertarem e conhecerem-se mais intimamente. As barreiras da cultura e a vergonha não fazem qualquer sentido na intimidade quer para ela quer para o esposo.
Segundo a lei cigana a Mulher tem um papel secundário na comunidade, como vê isso, ou qual a sua opinião?
Não concordo que a mulher tenha um papel secundário na comunidade, mas sim ela tem um papel muito importante, porque é ela que leva a família para a frente, cuida dos filhos, da casa e de tudo. Um dos aspetos negativos na mulher cigana é a proibição de ter uma carreira profissional e isso eu não consigo concordar. Felizmente já se estão a abrir horizontes e mentalidades nesse aspeto.
Acha que existe ainda muita violência doméstica na comunidade em relação a mulher?
Só os dados estatísticos é que podem confirmar, mas felizmente já existe uma liberdade para a mulher ir embora por este motivo tão cruel.
No entanto, considero que a maioria da comunidade cigana que se converteu ao Cristianismo veio trazer algo de bom e diminui a criminalidade. Questões familiares no âmbito da violência existem cada vez menos.
Com o passar dos anos, considera que existe uma maior abertura da comunidade cigana?
Julgo que seja necessário haver uma reeducação da comunidade porque sempre fomos um povo extremamente fechado, isolado e sozinho e acabamos por adotar uma cultura individualista. Mas no fundo que exista essa reeducação e essa aceitação pela sociedade maioritária. Tem que haver um trabalho mútuo. De ambas as partes.
Porquê que o cigano seja homem ou mulher quando ou se interessa emocionalmente quer para fins de namoro ou matrimonio por um não cigano é repugnado pela comunidade? Não poderá considerar-se um sinal de xenofobia e de racismo para conservação da etnia?
Creio que seja uma questão de não querer quebrar uma cultura tão alinhada e também não querer quebrar os costumes e tradições tão vividos pela comunidade. Hoje em dia já existem pessoas ciganas com pessoas não ciganas e não acho que exista racismo nem xenofobia para a conservação do nosso povo, somos apenas fechados e querendo manter a cultura.
Como se vive o luto na comunidade?
Normalmente o luto é igual para os homens como mulheres e funciona da seguinte maneira: não podem voltar a casar, vestem-se de preto e depois existe uma serie de restrições como não ir a festas, não ver televisão, não ouvir música, etc.
Considera que ainda existe muito preconceito?
Sem dúvida que sim. Ainda existe bastante preconceito e alias a comunidade cigana faz parte dos 3 grupos minoritários que sofrem mais com a discriminação em Portugal, para além do LGBTQI+ e as comunidades luso afro descendentes.
Como define o seu percurso de vida com 26 anos?
Foi muito difícil, mas felizmente estou numa fase mais calma. A dificuldade no meu percurso de vida deve-se com a minha luta contra os ideais culturais, contra o preconceito, tentar integrar e relacionar pessoas da comunidade cigana com não ciganas, e tudo isto tem sido um grande desafio para mim. Estou a tentar seguir o meu caminho, não deixando de parte a minha família e o meu povo, o que não tem sido nada fácil.
O amor vence o preconceito?
Sem dúvida e o Amor destrói os preconceitos se for verdadeiro.
Vanessa Lopes, Jornalista
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