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Ser casal fértil na infertilidade


O conceito de infertilidade remete-nos para a finitude. A finitude de recursos, de continuidade, propósito. Mas então, onde fica a vida de um casal que lida com a infertilidade?


Vejamos: estamos a falar de infertilidade relativa à capacidade, no momento, de gerar de forma espontânea a vida de um filho. Vamos sempre lembrar que a fertilidade de um casal é (deve ser) muito mais abrangente que este tema em si: criar vida tem também a ver com criar memórias, tradições, identidades, crescer e ser abundante em relação, em amor, A DOIS!


Viver os desafios da infertilidade em casal traz-nos, automaticamente, a esta questão primária: qual o nosso propósito? Obriga a uma revisão consciente e, idealmente, partilhada, da nossa identidade hoje. Perguntar e entender, pesquisar dentro de nós e na nossa família, entregar os medos e anseios ao outro é um dever exigente…


Uma das grandes dificuldades quando percebemos que não estamos a gerar vida da forma que planeámos, é exatamente perceber o que nos resta. O que nos sustenta, o que será o material dos nossos sonhos e projetos em conjunto, agora que temos a nossa fertilidade limitada?


Este desafio requere que nos centremos em nós só por nós, no momento presente e num projeto identitário. Um projeto que requalifica e reequaciona o MEU e o NOSSO propósito de vida.


Carregamos em nós a memórias e as vozes de hoje que nos fazem encontrar na criação de vida o propósito base para qualquer casal. Viver contra corrente com este padrão (voluntaria/involuntariamente) é estar em constante questionamento. É cansativo. É violento e frequentemente afasta-nos de nós, de outros e do outro. Importa aqui definir as barreiras do privado e íntimo com o mundo exterior ao casal, o que pode não ser linear ao início. Clarificar intenções, motivações e necessidades são passos que requerem uma dedicação consciente, mas que podem “salvar” o casal do afastamento em tempos difíceis.


Aos meus casais aconselho sempre o poder do beneficio da dúvida, operacionalizado pelo ponto de interrogação em vez de afirmações imutáveis que deixam o outro com pouco espaço de manobra. Perguntar se é mesmo o que estamos a entender, certificarmo-nos que estamos a tirar conclusões certeiras, investigar a outra forma de sentir e querer entregar as nossas intenções, são estratégias para uma crescente proximidade, conexão e aceitação na relação.


E, no fundo, é nestes pressupostos que faz sentido viver a sexualidade plena, aberta à possibilidade da fertilidade.


Com a dificuldade crescente em ter filhos, questionamo-nos cada vez mais sobre o propósito, o modo e o momento da incursão sexual, esquecendo-nos que está ligada a toda uma vida de intimidade. É inevitável. Quando somos obrigados a rever a nossa acção sexual com o propósito da fertilidade (no gerar um filho), limitamos a criação de amor numa intimidade abrangente. Urge cultivar e fertilizar o amor e a intimidade na profundidade da relação, no interesse pelo outro, no cuidado, no incentivo à realização de cada um, na partilha de momentos e de emoções, no crescimento individual em conjunto.


São contradições que exigem uma constante viagem de volta ao início de nós, ao início deste texto: Qual é o nosso propósito? Qual a intenção da nossa intimidade? Quem somos nós sem filhos?


Numa montanha russa desgastante de emoções, ansiedades, medos e lutos, mais uma vez faz sentido assumir os nossos limites, partilhar com o outro onde está a nossa energia e qual o nível de carga das nossas baterias, dos nossos medos e da nossa autoimagem.


E mais, o alinhamento entre dois mundos internos que viajam na mesma montanha requere ajuda externa, não só da medicina como da medicina da alma (terapia).


Dra. Margarida Salema Garção, Terapeuta de Casal


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