Padre Ricardo Esteves, o Homem por detrás do Hábito Religioso
Ricardo Esteves, Padre, 38 anos. Define-se como um Homem simples, humilde e realizado em todos os aspetos da sua vida. Apesar de todo o mediatismo que o rodeia, sente-se o homem mais normal do mundo e, apesar de ser Padre, considera-se um homem comum como todos os outros.
Encara o amor como uma entrega aos que mais precisam. Acredita que ter fé não é acreditar em tudo; ter fé é duvidar.
Nesta entrevista Ricardo Esteves fala-nos de uma forma aberta sobre a sua vida e sobre o chamamento que o levou até Deus. Aborda também a forma com que a Igreja tem evoluído em relação a assuntos relacionados com a sexualidade.
Quando é que sentiu o chamamento para o sacerdócio?
Entrei para o seminário com onze anos, por motivos pessoais, mas nessa altura eu ainda não tinha a perceção do que é chamamento. É engraçado que muitas pessoas pensassem que era milagre ou algo místico, mas não o era.
Quando começa a nossa primeira caminhada no seminário, fazemos lá amigos, frequentamos também escolas públicas e convivemos com jovens de ambos os géneros; temos outro tipo de aprendizagem, até que, a certa altura começamos a questionar sobre o que é ser Padre. Hoje sei que só temos essa noção quando somos confrontados com a prática.
No meu caso a vocação não se explica, foi algo que nasceu comigo, provavelmente é um sentimento que já vem dentro de nós; por isso é que muitos ficam pelo caminho e nunca chegam a ser Padres.
Alguma vez se sentiu apaixonado/ atraído por mulheres?
Claro que sim, e naquela idade maior era atração.
Teve alguma relação amorosa?
Não, nem podíamos ter, pelo medo de sermos expulsos do seminário. Podíamos sair de cabeça erguida agora a expulsão era muito mau. Relacionamentos às escondidas era impossível, porque tínhamos o tempo todo ocupado e éramos muito controlados.
Nunca tive uma relação amorosa, embora me sentisse atraído por mulheres, o que é normal, mas o medo de expulsão era maior.
Chegou a iniciar a vida sexual?
Não tínhamos essa oportunidade.
Alguma vez sentiu desejo de constituir família e de ter filhos?
Sim, penso nisso todos os dias.
Como é lidar com esse desejo?
É de conhecimento público que a igreja não impõe o celibato como uma condição divina. Nos séculos IV e V a igreja permitia o casamento dos padres que queriam contrair o matrimônio, mas para evitar os exageros e principalmente falta de vocações o Papa decidiu então que os que estavam casados continuavam casados e os que eram ordenados tinham que manter o celibato. Saliento que o celibato é uma regra da igreja católica, não tem nada a ver com religião.
Como é lidar com o desejo sexual?
Considero que a parte sexual é a parte humana que nos torna mais animalescos, e por vezes faz-nos perder a razão. A tentação é exatamente a mesma, um casal pode ser muito ativo sexualmente, mas com o tempo o desejo vai diminuindo. Quando o casal namora, no início da relação, a paixão é intensa, mas com o passar do tempo vai diminuindo; por vezes a perda do interesse de ambos, pode fazer com que haja traição , mas com o receio e compromisso que têm um com o outro não o chegam a consumar.
A masturbação existe?
Existe. (risos)
Tem redes sociais, em que faz publicações ousadas, como lida com o assédio?
No meu ver não são publicações ousadas, e considero que não sofro assédio! Por vezes, ouço uns piropos em que as pessoas falam e quando percebem que sou eu, o Padre, intimidam-se.
Para quem não sabe que sou um Padre passo despercebido, mas quando o sabem ficam com um ar de espanto e admiração.
Sentiu alguma vez vontade de desistir desta vocação?
Não, até ao momento não!
Como é viver o amor no celibato?
A sociedade tem uma ideia errada sobre este tema, e temos que usar os termos corretos. Ou seja, o Padre faz voto de castidade, exatamente o mesmo voto que fazem os casais quando se casam.
A palavra castidade, ainda que esteja relacionada com virgindade, não tem nada a ver! Existem muitos casais que, quando contraem o matrimônio, podem fazer um voto virginal, de nunca poder ter relações sexuais no casamento, ou seja, só o amor!
Nós Padres, encaramos a questão do celibato e da castidade como uma questão de respeito mútuo, e tentamos viver este enigma de celibato no amor e na entrega aos outros.
Um Padre não deixa de ser um Homem?
As pessoas pensam que um padre vive num patamar diferente, mas a verdade é que a nossa natureza é igual à natureza dos demais.
Certamente que um homem casado, se sente atraído por outras mulheres. Isso faz parte da natureza humana e o desejo sexual é normal.
Provavelmente quando alguém assume um compromisso como o matrimônio, que é para toda a vida, está a tomar uma decisão. Amar é uma decisão para a vida! É um verbo e todo esse verbo implica a ação! O fruto do verbo amar é o Amor.
Por vezes, perguntam-me se eu penso em desistir. É evidente que já parei para pensar e para refletir sobre a minha vida. Mas como tomei esta decisão e continuo a amar aquilo que faço, enquanto me sentir assim como Padre, assim o farei e serei sempre um Padre feliz! É a minha forma de amar. Amar é ajudar os que mais precisam.
E viver a ausência da sexualidade como é lidar com essa necessidade fisiológica e humana?
Lido bem, pois para quem nunca experimentou e/ou experienciou não tem base de comparação e, portanto, estou de bem comigo, com a vida.
Fico apenas na curiosidade, e fico bem.
O cair em tentação, como faz para não cair?
As pessoas pensam que um padre vive num patamar diferente , mas a nossa tentação é igual à como as dos casais.
Certamente que um homem, normalmente no seu dia a dia ele encontra mulheres mais bonitas, atraentes elegantes do que a mulher que tem, este homem na sua sexualidade individual vai desejar outras mulheres e faz parte da nossa natureza o desejo sexual, em que a nossa mente cria os próprios fetiches .
Provavelmente quando alguém assume um compromisso como o matrimônio, para a vida , até como refiro sempre que amar, não é um sentimento, amar é uma decisão para a vida, é um verbo e todo esse verbo implica a ação e o fruto do verbo amar é o Amor, agora amar é uma decisão.
Por vezes, perguntam-me se eu penso em desistir , evidente que já parei para pensar o que estou a fazer nesta vida, mas como tomei esta decisão e continuo a amar aquilo que faço , enquanto me sentir assim como Padre , assim o farei e serei sempre um Padre feliz e a minha forma de amar é amar e ajudar os que mais precisam.
De que forma acha que a Igreja tem acompanhado a evolução dos tempos? Como é que encara a imposição do celibato aos Padres? Concorda?
Sim, concordo. Nomeadamente com o celibato dos Padres. Até porque a Igreja obriga aos Padres que têm filhos a assumir os seus próprios filhos.
Hoje em dia, não existem filhos de pais incógnitos, logo se um Padre por algum motivo for pai tem que obrigatoriamente aceitar e registar o filho, e de seguida tem de fazer uma opção de vida, neste caso assumir uma família ou continuar como Padre.
Como é de bom senso um Padre deve evitar este tipo de circunstâncias, mas se, por qualquer motivo, for pai ele terá de assumir, porque acima de tudo é um ato de amor por parte deste. Caso não o fizesse seria de uma mediocridade enorme da parte dele, principalmente sendo Padre.
No caso de um Padre decidir manter uma relação conjugal, terá que abdicar da vida do celibato.
O que acha sobre o casamento entre homossexuais? E com a adoção de crianças por casais homossexuais?
Não é fácil explicar este tipo de assunto, sendo eu Padre.
Temos que entender que a Igreja, sobretudo o Papa Francisco, deu uma grande abertura, ao dizer que os casais homossexuais devem ter os mesmos direitos civis e legais, como qualquer outro casamento civil. Quando se trata de um casamento civil, estamos a falar de um simples contrato. Mas para a Igreja o casamento é um sacramento. A Igreja em circunstância alguma condena uma pessoa pela sua orientação sexual.
A igreja condena os atos que nos fazem afastar daquilo que é a verdade, ou daquilo que não nos traz a paz interior. Por isso, não sou a favor do casamento gay embora respeite, mas no ver não está de acordo com a natureza humana.
A nossa sociedade não está preparada para a aceitação do casamento ou para a adoção entre homossexuais! É a nossa cultura, na minha opinião.
Embora eu consiga entender que dois homens ou duas mulheres possam dar o mesmo amor e a mesma dedicação a uma criança que um casal hétero. Mas também considero que dois homens não substituem o papel de uma mulher ou vice-versa.
Não estou a referir que um casal hétero eduque melhor que um casal homossexual. Mas numa família bem estruturada tem de existir um homem e uma mulher. Ninguém consegue substituir o papel de uma Mãe ou o papel de um Pai.
Temos noção que o sangue não gera família, o sangue gera parentesco, agora uma mulher é sempre uma mulher, tal como um homem é sempre um homem, quer queiramos quer não. Nada substitui a delicadeza de uma mulher, e considero que uma criança tem de ser educada com a sensibilidade de uma mulher.
Até porque na nossa infância crescemos muito com a imagem paternal em termos de ensinamento, autoridade e defesa, enquanto que a imagem da nossa Mãe era menos autoritária. Só começamos a dar valor à nossa Mãe quando crescemos e saímos de casa e percebemos a grandiosidade e o prestígio que ela tanto merece.
Saliento que não tenho nada contra a homossexualidade, apenas é a minha opinião.
A mulher nos dias de hoje não vai para pura (virgem) o casamento. Concorda com isso?
No meu ver no passado também era assim, mas se calhar não existia tanta exposição como agora existe.
Entendo que é importante existir sintonia na sexualidade entre casais, até porque um casal que nunca tenha tido relações sexuais, podem até estar muito apaixonados, existir bastante química, mas se não funcionarem sexualmente a relação pode ter durabilidade.
O sexo é importante na relação, mas não é tudo!
Até porque hoje em dia faz-se mais do que se fala e antigamente falava-se muito e fazia-se pouco! (risos) Talvez seja por isso que os casamentos terminam as relações mais rapidamente.
Antigamente existia muita violência doméstica com as mulheres no casamento. Ainda assim, as mulheres tinham de “aguentar” o casamento até ao final da sua vida. Nos dias de hoje isso já não acontece com tanta frequência. Concorda com o divorcio nestas circunstâncias?
Na minha opinião quando nós sentimos o peso social, o sentido de responsabilidade é maior. O que São Paulo referia muitas vezes nas Cartas Dele é suportai-vos na caridade. Ás vezes é preciso suportar.
No que diz respeito à violência doméstica, a falta de respeito e a agressão física ou verbal justifica o divorcio. Tem de prevalecer a integridade da pessoa. Agora no meu ver, se forem discussões banais , quando o casal não tem a capacidade de diálogo, aí não sou a favor do divorcio.
Acha que um dia a Igreja irá aceitar o aborto?
Não.
O que acha da utilização do preservativo?
Concordo. A Igreja não condena o uso do preservativo.
Recordo que o Papa João Paulo II quando falou na questão do preservativo que a igreja, até lhe fizeram uma caricatura com um preservativo no nariz; no entanto a Igreja não condena as pessoas.
Porquê a questão do preservativo e não da pílula do dia seguinte que é abortiva e que, além disso apresenta efeitos hormonais nefastos para a mulher a longo prazo?
O que sente quando falam dos escândalos sexuais da Igreja? Concorda com a castração química?
Hoje em dia quando se fala em pedofila, a primeira imagem que vem à cabeça da nossa sociedade são os Padres que cometem este tipo de crime.
Quando se fala de um Padre a cometer um crime de pedofilia, a sociedade parece que tem uma revolta maior. No fundo faz algum sentido! Considero que este tipo de crime deve ter a penalização máxima.
Não sou a favor da castração química na pedofilia, até porque estão a mexer na fisiologia humana. Penso que existem outras penalizações mais adequadas para este tipo de crime.
Concorda com a Ordenação feminina na Igreja Católica?
As únicas funções que as mulheres não podem exercer na Igreja é realização de Eucaristias, Bênçãos e Confissões, de resto podem fazer tudo. Por exemplo, uma Catequista bem formada pode dirigir, uma Celebração da palavra, distribuir a Comunhão, só não pode é consagrar as hóstias.
Não sou muito a favor que a mulher possa presidir a uma Eucaristia. Não é que eu não valorize a mulher, muito pelo contrário. Até porque nós sabemos que, na Igreja, as mulheres têm um papel muito importante.
Agora o celebrar é um mandamento que Cristo nos deixou “hoc in memoriam mei”. Fazei isto em memória de mim, já é deportar o fundamento da base da nossa fé.
Como é a que as mulheres dedicam a vida à Igreja Católica? Quais as diferenças?
Nós Padres fazemos três votos: pobreza, castidade e obediência. As freiras são sustentadas por ordens religiosas e nós padres somos sustentados por nós próprios. É com o meu trabalho que me sustento. No caso das freiras, elas têm que ficar clausuradas dentro do convento e como é óbvio têm que ser sustentadas pelas ordens religiosas, que na maioria das vezes vão buscar as heranças.
Com 38 anos de vida, como define o seu percurso de vida?
Sinto-me um homem super feliz e realizado, não fiz nada do que me arrependa. Se magoei alguém foi inconscientemente, não sou uma pessoa vingativa e não o é por ser Padre.
Sou um bom solteiro, normalmente quando digo isto as pessoas pensam que solteiro é ser livre, mas não o é. O verdadeiro significado de solteiro é cheio, pleno, completo, realizado e feliz.
Que conselhos daria aos jovens e à sociedade em geral?
Um dos conselhos que costumo dar muitas vezes aos jovens, é para nunca deixarem de ser aquilo que são e nunca se deixarem diminuir por ninguém. Se têm sonhos, devem vivê-los, desde que não interfiram na vida de ninguém de forma negativa.
Devemos sempre dar um conselho, uma opinião de forma construtiva sobre qualquer assunto, não devemos julgar ninguém sem o conhecer bem e mesmo conhecendo…
O ajudar também faz parte do bom caminho.
O amor cura tudo?
Depende da perspetiva. Na minha opinião, considero que o amor cura tudo, se for um amor respeitador, porque quem ama não prende. Quem ama de verdade não prende o outro, e tem de ter a capacidade de perdoar o outro e não esperar nada em troca.
Padre Ricardo Esteves
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