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OSTOMIA E SEXUALIDADE, por Dr. José Pedro Silva



 

A ostomia é um procedimento cirúrgico que por vezes é necessário e que pode ser definitivo, isto é para toda a vida. Pode ser criado num contexto de um cancro, de uma doença inflamatória intestinal ou mesmo de um traumatismo abdominal.

No contexto de um cancro, está sobretudo associado ao cancro colorretal. O cancro colorretal é um dos mais frequentes tipos de cancro em Portugal e o seu tratamento curativo, quando não passível de resseção endoscópica, passa sempre por uma cirurgia. Não raras vezes e, sobretudo no cancro do reto baixo (a menos de 5 cm da margem anal), os médicos enfrentam a necessidade de realizar uma ostomia definitiva para tentar assegurar um tratamento com intuito curativo.

Como a ostomia cria uma abertura artificial no corpo, vai levantar vários problemas, alguns com um impacto significativo na vida sexual e autoimagem.

A sexualidade é um fator importante na qualidade de vida e, um estoma seguramente cria no doente uma insegurança relacionada com a atratividade, autoestima e capacidade de manter uma vida sexual ativa e satisfatória para o casal. É normal e expectável que os doentes se sintam ansiosos e manifestem vergonha e medo de rejeição.

Logo na primeira consulta é fundamental começar a falar da possibilidade do doente ficar com um estoma definitivo. A maior parte dos doentes não vem a contar com isso e não raras vezes rejeitam qualquer cirurgia que envolva um estoma definitivo. Nestes casos é fundamental que se desenvolva uma relação de empatia entre médico e doente e que se desmistifique a presença de um estoma definitivo. É fundamental também o papel dos enfermeiros, nomeadamente dos estomoterapeutas, no apoio, esclarecimento e seguimento destes doentes. São estes enfermeiros que vão fazer a marcação pré-operatória do provável local do estoma e que apresentam pela primeira vez alguns dos materiais disponíveis para lidar no dia-a-dia com o estoma (placas, sacos, removedores de adesivos ou outros).  Mas os que têm o papel mais importante, são, sem dúvida, os parceiros/as e a família que, todos os dias, terão que lidar com esta situação. Esta questão continua nos dias de hoje a não ser abordada com frequência na prática clínica, seja pelo tema em si que continua a ser tabu para muitos, seja pelo facto dos doentes não transmitirem aos profissionais de saúde as alterações de cariz sexual que enfrentam após a cirurgia efetuada.

Não há razão para que o casal não tenha relações sexuais; a ostomia não é seguramente um fator impeditivo. É importante, no entanto, realçar que no caso da mulher, muitas vezes apresenta diminuição da lubrificação vaginal, pelo que pode ser importante o uso de lubrificantes. No caso dos homens, podem apresentar sintomas de disfunção eréctil ou incapacidade de ejaculação o que pode justificar a realização de tratamentos dirigidos. Isto porque o tratamento do cancro do reto é muitas vezes multimodal e além da cirurgia, são fundamentais a radioterapia e a quimioterapia que podem agravar muitos destes sintomas.

As mudanças corporais transformam-se muitas vezes em barreiras psicológicas no relacionamento sexual. A sua presença interfere no contacto sexual; é comum haver medo de danificar o estoma e claro que há o receio de que o companheiro/a não se sinta sexualmente atraído na presença de um estoma. Isto pode levar a quadros depressivos, encerramento progressivo do doente numa bolha o que prejudica as relações interpessoais e ultimamente as relações familiares. Daí reforço a importância de começar a abordar estes assuntos desde a 1ª consulta, momento em que se põe a hipótese pela primeira vez da necessidade de um estoma definitivo. Nesta consulta deve estar sempre presente o parceiro/a. O casal deve entender muito bem o que vai alterar na sua vida, mas sobretudo que não o vai enfrentar sozinho. Há um grupo de profissionais de saúde que os vão seguir e avaliar periodicamente e que vão estar sempre ao seu lado. São fundamentais os cirurgiões oncológicos/gerais, os enfermeiros de estomoterapia, os psicólogos e psiquiatras bem como os urologistas e ginecologistas que acompanham estes casais e enfrentam todos juntos os problemas de cariz sexual ou outros que possam por em perigo a relação, se não se conseguir criar uma base de apoio sólida. Daí que a ajuda deva ser sempre multidisciplinar e personalizada, porque cada pessoa, cada casal é diferente e, portanto, também as suas necessidades o são.

Existem várias estratégias para melhorar a qualidade de vida sexual após um estoma, mas a mais importante é encorajar uma comunicação aberta entre os parceiros. A educação e o apoio contínuo são fundamentais para que os pacientes se adaptem à sua nova realidade, mantendo uma vida sexual ativa e satisfatória.

Como cirurgião testemunhei o fim de vários namoros ou casamentos devido ao uso de um estoma definitivo por parte de um dos membros do casal. Como profissional também eu fui alterando a minha abordagem ao longo dos anos. Nas consultas de seguimento avalio sempre a parte sexual da relação do casal, mas continua a ser um tema que muitos casais ainda têm dificuldade em discutir, mesmo estando a falar com o cirurgião responsável pela cirurgia e que já os segue há vários anos.

Felizmente um número crescente de casais soube adaptar-se a uma nova realidade e em alguns casos a relação terá mesmo saído reforçada.

O estoma não é, pois, uma barreira intransponível a uma vida sexual ativa e saudável. O doente tem que entender muito bem a razão de um estoma definitivo e que uma incontinência fecal total seria muito mais limitante para um dia-a-dia normal. O casal tem que enfrentar em conjunto esta situação, tal como já enfrenta tantos outros problemas do quotidiano. É fundamental que falem abertamente entre eles e que saibam que vão ser acompanhados por uma equipa dedicada de profissionais de saúde de várias áreas interligadas que os vão ajudar a superar com sucesso mais um desafio da vida, que nem sempre é a mais justa.


Dr. José Pedro Silva, Oncologista Cirúrgico no IPO


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