O VIH/SIDA numa visão médica, por Dr. Correia de Abreu
Dr. Correia de Abreu, Assistente Hospitalar Graduado em Doenças Infeciosas. Hoje é Diretor de Serviço de Doenças Infeciosas do Hospital Pedro Hispano em Matosinhos e exerce 80% do seu tempo a tratar doentes com VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis. Desde de 2002 faz investigação Clínica na área do VIH tanto a nível Nacional como Internacional com a participação em ensaios clínicos, workshops e conferências.
O que é um vírus?
Um vírus é pequeno agente infecioso que sendo sistemas biológicos muito pequenos e simples só conseguem replicar-se dentro de células vivas, pois não possuem metabolismo próprio. Assim, entrando no organismo, dissemina-se invadindo-o.
Qual a diferença entre o VIH/SIDA e os outros vírus?
Há uma quantidade quase infindável de vírus, com modos de atividade e propagação diferentes. Por exemplo, o vírus Influenza – responsável pela Gripe - é diferente do que provoca o CoVID-19 e do VIH, por exemplo.
O VIH é o Vírus de Imunodeficiência Humana, e tem como missão infetar as células responsáveis pela nossa capacidade de “defesa” – as células do nosso sistema imunitário. Assim ao destruir a imunidade das pessoas que infeta, leva a que estas fiquem suscetíveis a determinadas doenças levando à situação de SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Humana) que é a manifestação clínica provocada pelo vírus VIH. Esta situação é assim completamente distinta pois num caso temos o vírus onde a pessoa apenas é portadora sem qualquer manifestação da doença (é portador ou seropositivo), no segundo caso já tem a manifestação clínica da doença instalada.
Qual o agente causador?
É o VIH tal como foi convencionado em reunião em 1981, pois até então chegou a ter outros nomes como vírus da linfadenopatia generalizada persistente, HTLV 3 (vírus linfotrópico T humano), entre outros nomes, alguns bem menos pomposos.
Como se é infetado?
Desde sempre se viu que este vírus se transmitia de diferentes formas, sendo a transmissão por via sexual e a toxicodependência de drogas por via endovenosa através da partilha de material contaminado, desde sempre, as mais prevalentes seguindo-se a materno infantil (vertical) e, neste caso, se a transmissão in útero é baixa, a durante a passagem do bebé pelo canal de parto é muito elevada, tal como a pela amamentação – isto claro se não se considerar o uso de terapêutica de modo adequado. No entanto, há que lembrar que nos anos 80, o vírus também se transmitia por via de transfusões de sangue em doentes hemofílicos e hemodialisados, mas com o tempo passou a fazer-se controlo do sangue e hoje em dia esse risco já não existe no Mundo ocidentalizado.
Quais os riscos?
Nos dias de hoje, os grandes riscos na nossa sociedade estão na partilha de material contaminado do uso de drogas por via endovenosa, como seringas ou objetos que tenham tido contacto com o sangue ou outros líquidos (exceto a saliva, lágrimas) contaminados e a via sexual .
Qual a sintomatologia?
Na maior parte das vezes, cerca de 80/90% dos casos, o vírus transmite-se de forma assintomática ou de forma muito discreta. Nesse sentido, o doente nem dá conta que está infetado pois muitas vezes temos uma clínica semelhante a síndrome gripal. No entanto, há uma sintomatologia específica que pode aparecer e nesse caso, o que mais é reportado são os síndromes agudos com febres, exantemas, dores de cabeça e de garganta, mialgias, mal-estar geral e, por vezes, sintomas gastrointestinais como, por exemplo, diarreia.
Como se diagnostica a doença?
O diagnóstico tem de ser sempre feito através de via sanguínea, no qual é preciso fazer a pesquisa dos anticorpos do vírus (que demonstram a sua presença no organismos) seja em de gota seca ou mesmo em colheita de amostra sanguínea. Estas análises específicas detetam o contacto com o vírus, no entanto, uma análise “normal” ao sangue não é possível fazer o diagnóstico.
Como atua o VIH no sistema imunitário?
Este vírus tem uma série de recetores que se vão ligar a células específicas do sistema imunitário, onde vai atuar e replicar-se levando à sua morte. Posteriormente, e passando de uma célula para a outra, vai infetando e destruindo de modo a diminuir as nossas defesas no global, levando assim ao aparecimento das tais infeções que falamos anteriormente.
Como evolui esta doença?
Esta doença tem várias fases. A primeira fase, tal como já se disse, pode ser perfeitamente assintomática ou então com poucos sintomas, mas ainda assim suspeitos, depois a doença surge uma fase completamente assintomática de tolerância imunológica e, por fim e só alguns anos depois, o aparecimento das tais doenças oportunistas.
Qual a importância do teste do VIH/SIDA?
Há fundamentalmente dois processos muito importantes. O primeiro é que sendo hoje uma doença crónica, quanto mais cedo forem diagnosticados os portadores de VIH (seropositivos), mais rapidamente vão iniciar o tratamento e assim não vão ter nenhuma manifestação da doença (SIDA) conseguindo ter uma vida perfeitamente normal numa durabilidade determinada pelos estilos de vida, comorbidades, etc.
Mas a importância do diagnóstico precoce para a população geral, tem um segundo componente – é possível evitar a transmissão do vírus. Esta situação deve-se ao facto de estando em tratamento e se o vírus for negativo no sangue, estes portadores não podem transmitir o vírus (Indetetável=Intransmissível).
Qual o tratamento desta doença?
O tratamento específico é através de fármacos retrovíricos que vão atuar dentro ou nas células do nosso sistema imunitário, impedindo a replicação do próprio vírus e bloquear a sua ação, permitindo que haja uma recuperação do sistema imunitário e que o doente não sofra de doenças ou infeções oportunistas.
A medicação, hoje, é muito simples e fácil de fazer de tomar, é um comprimido por dia (com poucos efeitos laterais). No entanto, a necessidade de se melhorar os cuidados leva a que se esteja a desenvolver medicações de longa duração. De salientar que neste campo já existe uma medicação injetável que permite o controlo do doente sem qualquer comprimido, apenas com 2 injeções de 2/2 meses ou até uma outra que é uma injeção de 6 em 6 meses, mas mais soluções virão num futuro próximo, sendo que já se investiga o uso de selos colantes ou até mesmo o recurso a dispositivos intradérmicos que durarão 1 ano. No entanto, estas medicações ainda não estão disponíveis em Portugal apesar de serem realidade em outros países.
Quais as limitações desta doença?
Não há qualquer tipo de limitação que se possa impor aos doentes com VIH, pois com o sucesso dos tratamentos atuais estes serão cada vem mais pessoas normais que vivem com um vírus – são os chamados portadores ou, numa linguagem mais familiar – seropositivos que se cumprirem os mesmos, nem a infeção conseguem transmitir. Agora, em termos populacionais, ainda existe uma limitação do estigma e ignorância que as pessoas têm em relação a esta doença e daí o doente ter medo e receio de se expor.
Outro fator, importante desta doença é a iliteracia que faz com que as pessoas não se testem e a falta de campanhas informativas – o VIH não desapareceu, nem morreu e mata se não diagnosticado atempadamente! Por outro lado, não se pode dizer às pessoas que o VIH está a diminuir, quando temos cada vez mais pessoas doentes nas nossas consultas e nos internamentos dos hospitais – essa desinformação não pode ser fomentada nem propagueada até porque se baseia em dados errados de baixa notificação da doença por exaustão dos profissionais de saúde e de programas errados e complexos para o mesmo.
Pessoas que estão em tratamento podem transmitir o VIH/SIDA?
Se um doente está a cumprir tratamento e está negativo, o vírus não pode ser transmitido (Indetetável=Intransmissível).
Como se reduz o risco de exposição deste vírus?
Muito facilmente, basta um preservativo a cada relação sexual, aliás reduz a exposição e risco com muita eficácia. Por outro lado, temos PrEP que é a toma de medicamentos retrovirais usados no tratamento do VIH, que em pessoas de maior risco, levam à diminuição do risco de transmissão do VIH. Ao contrário do preservativo, que evita a transmissão de infeções sexualmente transmissíveis de vária ordem, a PrEP apenas diminui o risco de transmissão do VIH que, ainda por cima, não é 100% pois depende muito do modo como é usada e dos comportamentos de quem a usa.
Os seropositivos podem ser mães ou pais biológicos sem que o filho nasça infetado?
Sim! Desde que o pai esteja negativo não há nada que impeça que tenham relações normais e não vai transmitir a infeção. Já no caso das mulheres, estas sendo rastreadas no 1º trimestre estão sempre a tempo de iniciarem tratamento específico durante a gravidez e no momento do parto e, assim, evitarem a transmissão.
De que forma é que este vírus afeta a vida sexual?
Muitos destes doentes têm dificuldade numa vida sexual ativa porque têm medo de transmitir aquilo que lhes transmitiram a eles e não conseguem ter uma relação perfeita – têm de se capacitar que Indetetável=Intransmissível.
Antigamente, havia fármacos que interferiam na capacidade sexual dos doentes através da interação com hormonas (principalmente no caso da testosterona nos homens) situação que hoje não acontece.
No ato sexual entre duas pessoas infetadas, o uso do preservativo é importante?
Recomendo que, se for um casal hétero/homo em que estejam ambos a fazer tratamento e negativos não precisam do uso do preservativo; se só um deles estiver a fazer o tratamento, sim precisam do preservativo e se nenhum deles estiver a fazer tratamento então devem usar o preservativo de modo a se evitarem situações de contaminação com vírus resistentes aos tratamentos, por exemplo.
De que forma é que as terapias têm evoluído nos dias de hoje?
Hoje em dia as terapias têm evoluído muito, desde da durabilidade, o perfil de segurança e a eficácia e também temos um único comprimido e até mesmo as terapêuticas de longa ação que se espera sejam uma realidade em Portugal dentro de pouco tempo. Apenas recorde-se que em 1997 os doentes tomavam 18 a 22 comprimidos.
Porque é que este vírus ainda está associado aos homossexuais?
Isso é um erro! Só porque é a população alvo em termos históricos e porque têm mais risco com as relações anais que são mais traumatizantes que as genitais, não quer dizer que os casais héteros não as tenham e que não se propagam.
Quais os comportamentos de risco?
Os comportamentos de riscos são o uso de drogas por via endovenosa através da partilha de material contaminado e também o não ter um parceiro fixo (e nesse caso não usar a devida proteção) e uma vida estabilizada e um comportamento normal, esses são grandes fatores de risco.
Como se previne esta doença?
Melhorando comportamentos, usando um preservativo e em algumas situações, nas que seja preciso, com o uso da PrEP – mas que a usem de forma correta e consistente.
Hoje em dia a SIDA mata?
A SIDA como doença mata, porque há infeções associadas que não se conseguem controlar. No entanto, o VIH não mata desde que os doentes cumpram o que os profissionais de saúde lhes dizem - como tomarem a medicação corretamente, todos os dias, à mesma hora, com o mesmo critério e assim conseguem ter uma vida perfeitamente normal!
Dr. Correia de Abreu, Diretor de Serviço de Doenças Infeciosas do Hospital Pedro Hispano
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