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O ativismo do VIH, por Luís Mendão

Atualizado: 5 de dez. de 2023



1 de Dezembro de 2023, Dia Mundial de Luta Contra a SIDA


Luís Mendão, 65 anos, português e seropositivo. Bioquímico de formação, mas nunca exerceu, hoje exerce advocacia. Esteve envolvido na política do sector não-governamental. Em 1984, foi um dos fundadores de uma ONG para reforma das políticas das drogas chamada SOMA. Esse foi o seu primeiro contacto com o VIH/SIDA.

Foi-lhe diagnosticado em 1996, VIH/SIDA e Hepatite C, hoje é um dos sobreviventes português mais velho com este vírus. Salienta que é uma bênção estar vivo, devido a seu positivismo, otimismo e também ter uma vida ativa, como trabalhar e intervir pelos direitos destes doentes. Refere que o envelhecer com VIH em Portugal não é nada fácil. Mas comparativamente com alguns anos atrás e com a evolução da ciência, torna tudo mais fácil.

Membro-fundador do GAT Portugal - grupo de ativistas em tratamento, nasceu em 2001 numa organização europeia na Grécia, em que estavam presentes 12 portugueses com VIH e tinham a ideia de criar uma organização especializada na área de tratamentos em Portugal. Neste momento temos feito um trabalho alargado com maior sustentabilidade e com maior qualidade para doentes com VIH.



Nesta entrevista ao Love with Pepper, Luís Mendão, fala-nos como é viver em pleno séc.XXI em Portugal com SIDA das adversidades e obstáculos que esta doença lhe trouxe.


Para si o que é a VIH/SIDA?

É uma das grandes pandemias que surgiu nos anos 20/23 e que atingiu o mundo na década de 80 e este vírus mudou completamente a medicina. Tem um caráter dramático e está associada a desvios sexuais, minorias étnicas sociais.


Sabe como foi infetado?

Julgo que foi numa relação sexual não protegida com um homem, em que naquela altura assumia-me como bissexual, mas hoje sou assexual.


Quais foram os seus sintomas?

Naquela altura tive uma gripe complicadíssima, que é 70% das pessoas têm dias depois de ser infetadas, para além disso tinha dores horríveis, febres altas, suores de dia e de noite e uma infeção peniana e sentia-me como se tivesse 80 anos.


Como é receber a notícia de que se está infetado com o VIH?

Para mim foi um grande alívio, porque estava sempre doente, mas sintomas muito estranhos, sentia-me cada vez mais cansado em que os médicos suspeitavam de uma depressão e não o era. Recordo-me que quando me deram o diagnóstico, falaram-me de uma doença misteriosa e que naquela época eu poderia ter 2 a 3 anos de vida e já lá vão 30 anos.


Como tem vivido desde que lhe foi diagnosticaram a doença?

Considero que foram os melhores anos da minha vida, no sentido que me sinto realizado como cidadão e ser humano que o sou. Procuro intervir e participar socialmente em causas relacionadas com VIH/SIDA. Foi reconhecido o meu trabalho por parte do GAT e também fui condecorado em 2015, por um trabalho em torno da Hepatite C e este no recebi uma medalha de Mérito do SNS. No entanto, comecei a dar mais prioridade à minha vida pessoal e profissional. O problema desta doença é que nos limita muito a nível físico.




Quais as limitações desta doença?

Esta doença diminui muito a resistência e a capacidade física, ou seja, cansa-me muito. Vivo muito com a dor ao qual tive que me habituar com o meu corpo doente e envelhecido e para além de ter que tomar todos os dias um comprimido. Não escondo a minha doença, aliás até me sinto realizado e aceito-me!


Como ficou a sua vida sexual?

Ficou um desastre. Apesar de ser bissexual, em que vivia histórias com mulheres e homens. Ser um homem que não correspondia ao padrão monogâmico tinha uma vida sexual ativa. Na primeira fase da doença vivia aterrorizado com a ideia de poder infetar alguém, mas cheguei a estar casado 7 anos e depois do divórcio a minha vida sexual acabou aos 47 anos.


Na altura que era casado quais as precauções que tinha?

Tinha um comportamento preventivo no campo sexual, tinha relações sexuais protegidas.


Era fácil entregar-se alguém sabendo que se tem VIH?

Não, era muito difícil e complicado, tal como referi só tive uma relação após o diagnóstico e era a única que envolvia sexo.


Como é que os doentes com SIDA viviam há 30 anos atrás?

Na iminência da morte praticamente era uma sentença de morte e estava associada à pobreza, homossexualidade, transexualidade, raças e muitas dessas pessoas morriam por falta de acesso à medicina.


O Luís é um dos doentes seropositivos mais antigos em Portugal. É ativista pelos direitos destas pessoas. O que falta fazer por estes doentes?

Há um longo caminho a percorrer por estes doentes. É importante nós doentes termos a nossa participação em implementação de estudos, lutar por os nossos direitos, reconhecer que temos um papel na sociedade e que somo seres humanos apesar de tudo.



Como se sobrevive tantos anos à SIDA?

Sobrevive-se porque não tenho vergonha nem medo de esconder a minha condição física e também tenho capacidade psicológica muito boa porque só me atinge quem eu quero.


Tendo em conta que a terapêutica evolui bastante, que desafios enfrentam hoje estes doentes?

Na altura, em 1996 quando comecei a fazer tratamento cheguei a tomar 30 comprimidos por dia, hoje tomo 1 por dia. Com muito menos reações adversas, que beneficia se quiser tomar de manhã ou a noite, o que é bastante gratificante. Mas, no entanto, ainda falta: uma linha de investigação sobre a medicação e uma vacina preventiva, visto que é uma doença que ainda não existe cura.


Considera que, em pleno século XXI, ainda existe muito estigma e preconceito em relação aos doentes seropositivos?

O preconceito desta doença, ainda está muito a associado aos homossexuais e lésbicas, mas tem diminuído nos últimos anos. No entanto, nestes últimos anos devido à carga que tem esta doença tem sido feito um trabalho, estamos a lutar em liberdade para quebrar esse tal estigma e estamos no caminho certo.


Como encara a morte?

Já encarei com tranquilidade, porque me deram a sentença de morte. Agora estou menos preparado por ainda me falta fazer muita coisa.


O AMOR vence o preconceito?

Vence, sim! Embora existam vários tipos de AMOR e dou um exemplo que aconteceu na minha vida. Uma amiga muito próxima, mãe de quatro filhos, com conhecimento da minha doença, convidou-me para padrinho de um dos seus filhos. Apesar do preconceito, da fragilidade que vivia na altura e existe com esta doença, ela não deixou que isso afetasse na nossa verdadeira amizade.


Luís Mendão, Advogado


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