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Marta Canário, A felicidade é uma escolha



Dia 3de Dezembro de 2022, Dia Internacional da Deficiência


Marta Canário, 47 anos solteira, considera-se uma mulher “com dias em que tenho vontade de levar tudo à frente, e outros em que só me apetece estar sossegada, a ouvir a minha música, a ver as minhas séries, enrolada nas minhas mantas ou a andar de mota.”

É uma mulher bem disposta, que gosta de viver, de ajudar os outros, que adora animais, que não dispensa uma boa gargalhada e com sentido de humor.

Mas também uma pessoa com dúvidas e inseguranças, que tem dias em que, diz, “tudo lhe corre bem” e outros em que não faz “nada de jeito”.

Acelerada nuns dias, em “slow motion” noutros.

No fundo, é uma pessoa igual à outras.


Como é que tudo aconteceu?

Foi em 1991, num dia de março, frio. Encontrava-me sozinha em casa, preparava-me para mais um dia de escola, e fui tomar banho.

Na época, o esquentador estava colocado na casa de banho - assim era nos prédios antigos como aquele onde eu morava, na Avenida da Igreja, em Alvalade.

Quando liguei a água quente, o esquentador acendeu-se. Sem me aperceber, dele começou a sair monóxido de carbono - gás que não tem cheiro - e continuei a tomar o meu banho.

A certa altura senti-me cansada e, em vez de sair, sentei-me no poliban à espera que aquela sensação estranha me passasse. Pensei que não fosse mais do que uma quebra de tensão.

Sem me aperceber desmaiei e sou só encontrada pela minha irmã 2h30 depois (hora a que ela chegava a casa).

Fui imediatamente reencaminhada para o hospital onde estive 5 horas em coma.

Quando acordei disse que não sentia as pernas. Fui submetida a vários exames e, finalmente, percebe-se que o monóxido de carbono inalado se tinha alojado na medula e causado uma lesão que me tinha deixado paraplégica.


Quando tomou conhecimento do seu estado clínico o que lhe veio à cabeça? Como encarou e como lida com esta realidade?

Não considerei que fosse um drama. Até porque a consciência de que não voltaria a andar foi gradual, não aconteceu num dia em concreto, foi acontecendo com o passar do tempo e de uma forma progressiva.

O tempo ia passando e fui constatando que, apesar de continuar numa cadeira de rodas, pouco tinha mudado na minha vida.

Aliás, quando olhei para trás percebi que tudo se mantinha quase igual. A única diferença era que em vez de viver a vida em pé, vivia-a sentada.

Claro que o facto de ter estado sempre rodeada de gente positiva (família e amigos), que me ajudaram a “viver” desta nova forma, foi fundamental e crucial.

Passados cerca de 3 anos do acidente, percebi que a evolução na sensibilidade tinha estagnado, e decidi focar-me de novo naquilo que gostava e me dava prazer : viver a minha vida de uma forma normal, coerente com a vida de uma adolescente não gastar mais energia a tentar voltar a andar, até porque cedo percebi que seria perder tempo com algo que não iria acontecer.

Não tive a chamada fase do luto, aceitei a situação como ela ia ser.

A partir daquele momento, era importante adaptar-me àquela realidade, e aceitei a minha nova vida.


Foto: Pacheco Sequeira


Já teve uma relação amorosa após esta situação?

Quando fiquei paraplégica namorava há 2 meses, relação que durou mais 6 anos. Depois disso tive outras menos relevantes, e mantive até recentemente uma relação que durou 3 anos.


E o retorno à vida sexual? Fale-me como foi a primeira abordagem após esta nova condição?

Foi normal, gostávamos um do outro e ambos nos sentíamos preparados, daí termos decidido iniciar a nossa vida sexual. Sinto que foi com a pessoa certa.


E quais os obstáculos que encontrou em relação a isso?

Nenhuns, como referi foi com a pessoa certa.


Alguma vez sentiu desprezo ou pena no olhar de um homem quando a viu nesta situação?

Nunca.


Alguma vez foi rejeitada a nível amoroso devido à sua condição física?

Nunca.


Enquanto casal, como abordaram o assunto em relação à sua sexualidade?

De uma forma natural. Obviamente que tivemos que nos adaptar à nova realidade, nomeadamente à falta de mobilidade, mas foi tudo encarado com naturalidade.


Abordou esse tema com um profissional?

Não senti necessidade.


O que é que um homem precisa de ter para ser um companheiro ideal para si?

Precisa de ser inteligente, pragmático, meu amigo, companheiro e, não esquecer, meu amante.


O seu desejo sexual manteve ou alterou?

Manteve.


Acha que a nossa sociedade masculina está preparada para lidar com a diferença?

Apesar de não ter qualquer razão para me sentir discriminada, como expliquei acima, penso que a grande maioria dos homens não está preparada.

A verdade é que o desafio é grande e é necessário ter uma capacidade extra de adaptação e uma sensibilidade acima da média para se fazer o caminho em conjunto e com sucesso.

Apesar de ser importante que a pessoa que está connosco tenha noção clara das nossas limitações e necessidades, até para nos ajudar quando e se necessário, eu não quero apenas um cuidador, porque, regra geral, cuido de mim sozinha. Quero alguém que me veja como uma mulher, e que me deseje como tal, e sim, que me ajude caso eu sinta que é necessário.



Alguma vez sentiu o desejo de ser Mãe? Como é o lidar com isso?

Nunca foi um objetivo, talvez por isso nunca tenha acontecido.

Mas provavelmente porque acabei por não encontrar ninguém com quem o desejasse fazê-lo.

Para além disso, tive o privilégio de poder acompanhar de muito perto o crescimento da minha sobrinha, de quem cuidei muitas vezes quando era pequenina, facto que talvez me tenha preenchido nesse campo.


Como se protege/lida e gere a olhares preconceituosos que possam surgir?

Regra geral ignoro, porque não gosto de perder tempo com pessoas ignorantes, mas se me sentir ofendida reajo e defendo-me como achar que devo.


Foto: Pacheco Sequeira


Acha que hoje é uma pessoa mais forte, resiliente e preparada para a vida?

Não tenho a menor dúvida em relação a isso. Tudo pelo que passei moldou-me e preparou-me para vida.

Sinto que hoje sou mais resiliente e com mais capacidade para dar a volta às pequenas e grandes armadilhas que a vida as vezes nos prega. Acredito que se não tivesse passado por nada disto, teria mais dificuldade em fazê-lo.


Considera que ainda existem tabus em relação a quem mantém relacionamentos amorosos que têm défices motores?

Penso que a sociedade tem evoluído em relação a este tema, mas que ainda existe quem olhe com grande admiração para quem está ao nosso lado, como se de um herói/heroína se tratasse.

Acredito que isto vai mudando com as novas gerações, que de certa forma estarão muito melhor preparadas para aceitar a diferença em todas as vertentes.


Qual é a sua arma de sedução?

Não será uma arma, mas penso que a minha boa disposição acaba por ser um fator importante nesse campo.


Considera-se uma mulher romântica?

Sim, gosto de surpreender e de ser surpreendida.


Acha que o humor/ boa disposição ajuda a encarar melhor a sua realidade?

Acho que o humor e a boa disposição ajudam a encarar melhor QUALQUER realidade.


O que gostaria de dizer a alguém que tem o seu problema e está inseguro em iniciar a vida sexual?

Em primeiro lugar, que goste e que acredite em si próprio.

Depois, que encontre alguém de quem realmente goste e que o/a aceite como é.

O resto acontece naturalmente, como em qualquer relação.


O amor cura tudo, ajuda a superar as dificuldades da vida e vence o preconceito?

O amor é o sentimento mais nobre que podemos ter pelos outros.

Não cura tudo mas ajuda a resolver muitas coisas.

E se o amor for amor realmente verdadeiro, nem haverá espaço para o preconceito.


Marta Canário, Assessora de Imprensa do Grupo Novabase

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