Maria Helena Teixeira, Testemunhar É Ajudar
Maria Helena Teixeira, natural do Porto, 56 anos, mãe. Assume atualmente o papel de Presidente da Associação Testemunhar É Ajudar com a finalidade de ajudar quem mais precisa nos momentos menos bons da vida daqueles que estão passar por um processo de cura.
Nesta entrevista ao Love with Pepper, Maria Helena recorda como a neoplasia na mama modificou a sua vida aos 50 anos e fala-nos da perda recente do seu grande amor, o marido Jorge, um casamento de 17 anos com altos e baixos, onde o respeito, a cumplicidade e amor andaram sempre de braços dados.
Assume-se como uma mulher de fé, católica não praticante. Reconhece que a doença a tornou mais exotérica e espiritual. Acredita que as terapias espirituais lhe fornecem o equilíbrio necessário que tanto procura.
Apesar das barreiras que a vida lhe tem posto à prova, em que tem sido uma mulher resiliente, agradece todos os dias e é grata à vida.
Como define o seu percurso de vida com 56 anos?
Com 56 anos faria tudo de igual forma, sem olhar para trás. Sou uma mulher grata, todos os dias, por aquilo que tenho e tive no decorrer da minha vida.
Como nasceu a Associação Testemunhar é Ajudar - Núcleo de Apoio ao Centro da Mama no Hospital São João (TEA)?
A Associação Testemunhar é Ajudar nasceu, porque existem doentes que passam por processos de tratamentos e de cura e que não têm qualquer apoio, não têm qualquer informação e que se sentem perdidos, por incapacidade de resposta dos profissionais de saúde. Senti a necessidade de fazer algo por estas pessoas, porque também passei por essa situação, e porque nós doentes precisamos de ajuda, de abraços, de esperança e daí nascer a TEA.
Qual o seu principal desafio enquanto Presidente desta associação?
Costumo dizer que sou a voluntária número um, e que todos os que fazem parte da TEA são voluntários. (risos) Para se ser Presidente temos que ter uma equipa, porque este trabalho não se faz sozinha.
Qual o objetivo desta associação?
O objetivo principal desta associação tem a ver com a parte solidaria, é o estar, o abraçar, o agarrar a pessoa quando tiver conhecimento do diagnóstico. Nós estarmos aí a dizer que eu consegui e que ele(a) também vai conseguir. É o dar a esperança que o doente tanto precisa.
Como e quando sentiu que algo não estava bem?
O mais o engraçado é que eu sempre fui e sou uma mulher que fazia exames de rotina todos os anos. Foi em finais de 2015 que senti algo de estranho na mama, tinha uma comichão (prurido) constante, depois disso passei a ter umas fisgadas e não passava. Recordo-me que aplicava alguns cremes, mas os sintomas continuavam.
Como em inícios de 2016 eu completava 50 anos de idade e, como eu sempre pensei que aos 50 anos iria mudar de vida, de facto, mudei mesmo de vida. Fui de férias e quando regressei, um dia estava a fazer um movimento de levantar os braços e senti algo estranho na mama. De seguida liguei à ginecologista e iniciei então um processo de diagnostico.
Como é receber a notícia de que tem cancro de mama?
Senti um formigueiro pelo corpo todo e então percebo que ali muda tudo.
Como foi informar a família e como reagiu?
Nesse dia tinha um jantar em casa, com uns familiares, e ainda não tinha comentado com ninguém. Fiz tudo o que tinha de fazer. Fui ao cabeleireiro, fui comprar um bolo e champanhe e liguei ao resto da minha família, convidando-os para irem lá a casa. Lembro-me de que, no final do jantar, altura que achei mais propícia, quando cortei o bolo e coloquei o champanhe à minha beira, disse-lhes que me tinha saído o Euromilhões, que existiam situações que iam transformar a minha vida, e o que tinha um cancro na mama. Brindamos todos à vida e choramos, abraçamo-nos e ficamos cada vez mais unidos. Sempre tive uma família muito unida e exemplar, onde o amor nunca faltou.
Tem conhecimento que existem muitas mulheres que são abandonadas nesta situação. O seu marido apoiou-a?
O meu marido, o meu Jorge foi uma peça fundamental neste processo todo, nunca me faltou em nada. Ele e os meus filhos foram as minhas vítimas.
De que forma a sua autoestima foi afetada pela doença?
Nunca. Amor próprio acima de tudo.
O que mudou no seu corpo e na sua vivência sexual?
Em primeiro lugar fiquei com uma mama acima outra abaixo, em que dizia ao meu marido que tinha que olhar para mim de lado! (risos)
Na parte sexual, obviamente que este processo mexeu com tudo. Eu estava num período de menopausa e de quimioterapia e andava com as hormonas ao rubro, porque também o meu cancro era hormonal. Mas a partir do momento que comecei a tomar tamoxifeno, tudo se alterou: a vontade, a libido, a secura vaginal. É com o se o sexo deixasse de existir. Mas nesse aspeto o meu Jorge foi muito compreensivo, o que me ajudou a superar este parte.
Não querendo ser muito invasiva e não querendo entrar na intimidade como foi a sua primeira vez pós cancro. Foi uma nova descoberta?
Foi maravilhoso, pois tinha o homem certo ao meu lado, embora tivesse com um bocado de receio. Para mim foi um gozo, não prazer, e uma felicidade imensa porque o meu marido estava a fazer amor comigo e voltei a ser a mulher que era.
De que forma os tratamentos de quimioterapia podem prejudicar as relações sexuais?
Não são os tratamentos, somos nós. A parte psicológica é muito importante, embora os químicos que o nosso corpo recebe também prejudiquem de certa forma, mas se tivermos o homem certo ao nosso lado tudo se supera.
Considera que a sexualidade é importante na recuperação do doente com cancro?
Claro que sim, porque o sexo só faz bem e para nós seres humanos só nos dá conforto e vitalidade.
Passado algum tempo, em 2021 descobre que o seu marido tem cancro. Como é reagir a novamente a um cancro?
É tirar-nos o chão novamente, porque quando o meu marido teve o diagnóstico sabíamos que não ia ter o mesmo desfecho que o meu cancro. Aqui foi uma luta diária e, em 2 meses. o meu marido partiu… E eu sempre à espera de acordar a pensar que ia haver um milagre.
Como foi lidar com esta perda?
O meu marido, o homem que amo, o homem que parte ao final de mês e meio é uma perda indescritível.
Como é que se recebe e se gere a notícia de que o nosso grande Amor não está bem e quais são os pensamentos que vêm à cabeça?
É estar do lado dele incondicionalmente, conforme ele fez comigo. Tive a oportunidade de demonstrar que estive para ele como ele esteve para mim.
Como foi viver os dias mais difíceis ao lado dele?
Foi duro, muito duro! Ver que a pessoa que se ama está a morrer diariamente é um desgaste emocional muito grande.
Conseguiu despedir-se dele?
Consegui, estivemos juntos no hospital e falamos tudo o que tínhamos para falar. Disse-lhe que ele era o grande amor da minha vida como ele também me disse que eu era o grande amor da vida dele.
Com é lidar com a ausência do toque, dos cheiros e dos gestos?
Muito difícil e complicado, mas o senhor Ruy de Carvalho fez-me ver que a saudade é um sentimento bom, que é bom sentir saudade de quem gostamos e de quem amamos, e quando estou com saudade sorrio porque estou a pensar em algo bom.
E a ausência da sexualidade?
Neste momento não vejo a sexualidade como uma prioridade. Embora gostasse de sonhar que estou a fazer amor com o meu Jorge, o que ainda não aconteceu! (risos)
Como encara no dia após dia a realidade que a vida lhe pôs a prova?
A vida tem-me colocado muitas vezes à prova, mas temos que aceitar e saber pedir a Deus e ao Universo que nos ajude.
Faz-se o luto de quem se ama?
Estou a aprender, e não sei consigo ou o irei fazer. Porque se digo luto, digo saudade e saudade é um sentimento tão bom, porque eu vou fazer o luto de quem amei e amo.
O seu coração está pronto para voltar a amar?
O meu coração está pronto para eu saber lidar com o que se está a passar e continuar o meu caminho, isto não quer dizer que não possa a vir a ter outra relação, mas se tiver terá que ser um amor diferente.
Como vê o cancro?
Vejo o cancro como uma patologia muito má, como uma patologia como outra qualquer, que mata diariamente como qualquer outra doença e que se tem que tratar.
O amor cura?
O amor cura a nossa alma.
Maria Helena Teixeira, Presidente da Associação Testemunhar É Ajudar- Núcleo de Apoio ao Centro da Mama do Hospital São João
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