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Lourenço Ódin Cunha , A Alma não tem Género





Lourenço Ódin Cunha nasceu e cresceu em Nine, Vila Nova De Famalicão. Aos 21 anos emigrou para fora do país à procura de respostas que não conseguia obter em Portugal. Hoje, com 38 anos, Lourenço vive em Portugal e considera-se um homem realizado, casado, muito bem resolvido, de bem com a vida e com quem o rodeia, mas sobretudo feliz.

Nesta entrevista, Lourenço mostra-nos que como é nascer com disforia de identidade de género num país quem nem sempre está preparado para apoiar a questão da transexualidade.


Considera-se um Homem romântico?


Sou romântico o suficiente, valorizo mais outros sentimentos como amor, respeito, gratidão, integridade, companheirismo e lealdade.


Com que idade é que começou a sentir que não era mulher?


Nunca me senti mulher, mas nasci identificado como uma. Por volta dos seis anos já percebia que algo em mim não era compatível com as outras meninas e que eu não fazia parte do mundo delas.


Quando é que se apercebeu que podia mudar o sexo?


Apercebi-me já mais tarde, por volta dos vinte e dois anos, que tal poderia ser possível. Até essa altura não havia qualquer informação, pelo menos ao meu alcance sobre a possibilidade de mudar de género.


Como é que os seus familiares e amigos reagiram?


Os meus pais e irmão foram o meu apoio incondicional desde o início. Em geral toda a família reagiu muito bem pois já esperavam que tal fosse acontecer, assim como os amigos. No entanto eu sempre fui muito frontal e determinado. Quem não aceitasse, o problema seria dessa pessoa e não meu pois a vida é minha e ninguém pode decidir nada ou viver por mim.


Já mudou o seu nome no registo? Como foi o processo ?


Mudei o meu nome antes de ter começado as operações, antes de o fazer houve um acompanhamento médico feito do qual resultou um Relatório de Disforia de Identidade de Género assinado e reconhecido por três especialidades médicas, um urologista, um psicólogo e um médico-cirurgião. Com esse relatório fui ao Registo Civil e mudei de nome e de género no meu cartão de cidadão.


Porque escolheu este nome?


O primeiro nome porque na altura gostei. O segundo foi o meu pai que escolheu. Ódin um Deus da Mitologia Nórdica, da força, da natureza, da caça… O meu pai disse que tinha de ser um nome de guerreiro por toda a força que tive para passar pelo processo.


Com que idade começou a transição?


Só com vinte e sete anos é que comecei a terapia hormonal foi um longo processo de conhecimento, de procura de respostas, de soluções e sobretudo de certezas antes de iniciar todo o processo cirúrgico aos trinta e um anos, já em Portugal.


Como é que se sentia antes da transição?


Sempre me senti em paz comigo mesmo. Sabia que era um longo processo. Sabia que, por muito mal que me sentisse interiormente, um dia o meu exterior iria corresponder ao meu interior. Tentei sempre ser positivo porque nada se resolveria de outra forma.


Como é ser homem transexual em Portugal?


É como no resto do mundo, uns países melhores, outros piores. Mesmo assim, em Portugal ainda se vive melhor que em muitos outros países. Depois vai de cada um e como se encara a vida. Eu nunca senti que fosse difícil porque a opinião dos outros nunca me interessou. No entanto não gosto de rótulos e para mim não existe um “ser transexual”. Existem pessoas tais como eu que passaram por um processo de mudança de sexo ou de transição sexual e que depois disso são homens ou são mulheres. Não são homens trans ou mulheres trans. Para mim são mulheres ou homens ponto.


Sente preconceito quando anda na rua?


Não, eu entrei num programa de televisão com o objetivo de que se falasse no assunto. Automaticamente tornei-me conhecido e seria difícil esconder-me por onde quer que passasse. No entanto, se eu não o tivesse feito ninguém o saberia.


Sente que em Portugal existem condições para ajudar pessoas transexuais, por exemplo, a nível de apoio psicológico?


Sim, há varias Associações para tal. Não há é muita informação e muita gente também não procura ajuda, por vergonha ou medo. É preciso saber filtrar e é preciso saber onde se vai buscar tanto as informações como a ajuda pois para além de existir muita informação falsa também existem muitas pessoas que dão informações erradas a quem procura ajuda.


Vai fazer ou já fez a cirurgia de resignação sexual?


O meu processo de transição esta completamente feito há vários anos. Foram vinte cirurgias, catorze delas feitas em seis meses, mais quatro cirurgias nos dois anos seguintes.


Quanto custa mais ou menos fazer a cirurgia? Há apoio do Estado?


O meu processo rondou os 50 mil euros, fiz tudo no Privado logo não tive qualquer tipo de apoio. No entanto as coisas mudam ao longo dos anos e a medicina evolui. Neste momento, para além de terem reduzido o número de cirurgias do processo para treze, o valor também diminuiu para metade (25 mil euros). Existe ajuda do Estado neste tipo de processo visto que a Disforia de identidade de género foi diagnosticada como uma doença logo há comparticipação do Estado. No entanto as cirurgias nestes casos são feitas em Coimbra e estão paradas há vários anos e existe uma longa lista de espera.


A nível emocional, sente que sofreu uma mudança com a transição? Quais são as diferenças antes e depois?


Sempre fui muito estável a nível emocional sou igual ao que era. As emoções são as mesmas. As convicções são as mesmas. Assim como a determinação. Somos nós que controlamos o nosso estado emocional.


Qual o momento mais difícil durante a transição?


O momento das cirurgias é doloroso e abala psicologicamente mas é como qualquer outra cirurgia invasiva. Seja ela qual for, acarreta dor e um período de recuperação. No meu caso em particular, a minha segunda cirurgia que foi “três em uma", foi complicada. Mas com o apoio dos meus pais, principalmente da minha mãe, consegui ultrapassar rapidamente essa fase.


Qual a maior dificuldade no dia a dia como homem transexual ?


Não tenho nenhuma dificuldade.


Alguma vez se arrependeu da transição?


Nunca me arrependi de nada. Se fosse para me arrepender não o teria feito. Este tipo de decisões não é tomada de ânimo leve. Tem de ser muito ponderada, como qualquer outra decisão importante tomada na vida.


Sente que a comunidade transexual é representada em Portugal?


É representada por Associações. De resto não conheço qualquer lugar de destaque ocupado por alguém que tenha passado por tal processo. Pelo menos a que seja do meu conhecimento por isso como eu digo muitas vezes, é um assunto não assunto porque não é falado.


Ser transexual afetou a sua orientação sexual?


A minha orientação sexual sempre foi muito específica e definida, sempre gostei do sexo feminino logo sou completamente heterossexual, no entanto não podemos confundir orientação sexual com identidade de género são duas coisas completamente diferentes: Mas as pessoas não querem ou recusam-se a entender isso.


Sente-se mais confiante agora?


Sinto me mais confiante. No entanto sempre fui.


Quando recomeçou a sua vida sexual, como se sentiu?


Senti-me completo e realizado era a única coisa que faltava.


O que gostava de dizer às pessoas que passaram ou estão a passar pela mesma situação.


Têm de ter força, coragem e paciência porque é um processo longo. Não se faz com a rapidez que quem espera quer. Se é o que querem, têm de lutar, pois ninguém o pode fazer no nosso lugar.


Já sofreu algum tipo de preconceito pela escolha que fez?


Preconceito sempre existiu e vai existir ele está em cada virar de esquina. No entanto todos temos formas diferentes de encarar e levar a vida e damos valor ao que entendemos que devemos dar. O meu lema de vida sempre foi: os assuntos têm a importância que lhes dermos. Se eu desvalorizar uma questão qualquer, ela não vai ter tanto impacto como se eu lhe desse valor. É precisamente isso que eu faço, desvalorizo porque das minhas escolhas sei eu e nunca ninguém o vai fazer por mim.


Sente que os jovens da nossa sociedade já estão mais abertos as mudanças ou sente que são preconceitos?


Os jovens da nossa sociedade têm uma mentalidade mais aberta. No entanto a sua grande maioria só o tem nas redes sociais. Vivemos numa época de muita aparência e pouquíssima essência. O preconceito existiu, existe e vai existir sempre. Pessoalmente notei uma grande abertura de mentalidade em pessoas mais velhas quando sai do programa televisivo que participei. Para meu grande espanto, os jovens não estão muito preocupados com os verdadeiros valores e problemas da sociedade estão mais preocupados em valorizar assuntos sem valor e criar guerras quando deviam procurar igualizar todas as escolhas de cada um sem apontar o dedo a ninguém.


Que conselhos daria para quem está numa situação idêntica à sua?


Que não tome decisões de ânimo leve. Que não tenha incertezas no em relação ao que quer fazer e ser na vida e que não deixe que ninguém interfira nas suas escolhas, custe o que custar. Porque vida há só uma e cada um tem que viver a sua pois ninguém tem de viver com as escolhas ou opiniões dos outros. A isso não se chama viver mas sim sobreviver e ninguém no mundo se devia contentar com sobreviver.


Que conselhos daria aos pais que têm filhos na sua situação?


Os meus pais foram um excelente exemplo do que é ser pais e o meu peito e a minha alma enchem se de orgulho e gratidão. Tenho na mente duas frases que não me saem da cabeça. “Não basta sermos pais, temos que ouvir os nossos filhos e procurar todas as formas de os ver felizes”. O autor desta frase é o meu pai. “Que raio de mãe seria eu se não protegesse a minha cria”. A autora dessa frase é a minha mãe. Se todos os pais perceberem estas duas frases, então entenderam tudo.


Lourenço Ódin Cunha



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