Incongruência de género
Há alguns temas em sexologia que são difíceis de clarificar para quem tem ideias rígidas e pré-concebidas, e para mim este está la no topo. “Ah porque se eu me sentir um elefante também têm que me tratar como elefante!”. Não, não têm, e isso é só absurdo.
É aqui que entramos na discussão sobre o que é que determina o nosso género. Há quem penda para as teorias mais biológicas nas quias somos homem ou mulher porque os nossos cromossomas assim ditam, e há quem penda para o lado mais sociológico que defende que o género é sobretudo o resultado de uma série de expetativas e normas sociais. A maneira como cada um de nós olha para isto é influenciada pela educação que temos, pelas nossas crenças, convicções e até pela nossa visão publica.
Independentemente disso, penso que é inegável que existe uma série de papeis, comportamentos e expectativas associadas a ser-se homem ou ser-se mulher. Acho que concordamos com isto. E, portanto, é de esperar que nem todos nos identifiquem com aquilo que é esperado de nós. Sobretudo porque aquilo que espero de nós depende unicamente de termos um cromossoma Y ou dois cromossomas X, um pénis ou uma vagina. Tem que ser mais complexo do que isto…porque até a taxonomia é complexa!
A incongruência de género não é uma doença mental, mas pode trazer consequências graves para estas pessoas, nomeadamente depressão, marginalização, desigualdade de oportunidades e falta de acesso a cuidados de saúde. São ainda hoje vitimas de violência, preconceito e descriminação.
Alguns conceitos:
Sexo designado à nascença: é o sexo cromossomático (XX ou XY), sexo genital (vagina ou pénis) ou sexo gonadal (ovários ou testículos);
Género: construto social composto por uma serie de expetativas relativamente a comportamentos, caraterísticas e pensamentos associados a ser-se do sexo masculino ou feminino;
Identidade de género: experiência interna e individual sentida por cada pessoa relativamente ao género com que se identifica.
O que é a incongruência de género?
Trata-se de uma marcada incongruência entre o género experienciado pelo individuo e o género designado à nascença.
Este diagnóstico tem que estar presente por pelo menos vários meses.
Nota: a incongruência de género deixou de ser considerada uma doença mental em 2019. Esta despatologização da transexualidade é mais um passo para reduzir p estigma e preconceito para com estas pessoas.
Prevalência
Estima-se que a prevalência de pessoas com incongruência de género seja de 0,5%, ou seja, é a mesma prevalência que pessoas com olhos verdes ou cabelo ruivo.
Transfobia
As pessoas transgénero são frequentemente marginalizadas e o diagnostico pode ser erradamente interpretado como:
Perturbação do Espectro do Autismo;
Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção;
Personalidade bordeline;
Bipolaridade;
Esquizofrenia;
Ansiedade social;
Depressão
Para além, de que ignoramos que estas pessoas têm um risco aumentado de desenvolver depressão e cometer suicídio. Entre 22-43% das pessoas com incongruência de género fazem tentativas de suicídio.
Estes aspetos da saúde tendem a melhorar quando são tomadas medidas de afirmação de género.
Afirmação de género
O processo de afirmação de género não é obrigatório e é adaptado às necessidades individuais.
São opções:
Tratamento hormonal masculinizante (testosterona) ou feminizante (estrogénios +/- anti-androgénicos);
Bloqueio hormonal da puberdade;
Cirurgia de afirmação de género: remoção ou aumento/construção de órgão.
Para além disto, é fundamental que as pessoas tenham apoio psicológico e social e que não sejam descurados outros aspetos da sua saúde física (nomeadamente rastreios).
E o arrependimento?
A percentagem de arrependimento após a cirurgia de afirmação de género é de …1%.
Compreendo e aceito que as pessoas tenham diversas opiniões sobre este assunto, mas da minha parte serei sempre a favor de que se ajude estas pessoas a sentirem-se mais completas e realizadas com o seu corpo.
E termino com uma citação do Ney Matogrosso:
“eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”
Sejam metamorfoses ambulantes!
Dra. Mafalda Cruz, Medicina Sexual
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