De Corpo e Alma: a realidade da Doença de Crohn, por Carina Sousa
Atualizado: 18 de out.
Carina Sousa, 40 anos, Mãe de três filhas fantásticas, é casada e tem a Doença de Crohn.
Para além da Doença de Crohn, tem também Fibromialgia, Psoríase e outras mais patologias.
Foi diagnosticada com esta doença em 2013, com 30 anos. Passou por várias situações complicadas e começou por ter perdas de sangue nas fezes. Fez uma colonoscopia, o resultado foi imediato e, na altura a doença estava ativa e num estado complicado. Foi-lhe explicado que ia ser uma doença crónica, pelo que entrou num estado de negação da doença e decidiu não seguir com a medicação e qualquer tratamento desta.
Em 2019, teve uma nova crise, com cerca de 20 a 30 idas ao WC, perdeu 20Kg em 2 meses. Então, foi nessa altura que, como que por um milagre, foi parar às mãos da Dr.ª Joana Torres, do Hospital Beatriz Ângelo, e aí sim, teve a noção que o caso era grave.
Conheceu a Sara Rodrigues, que é hoje Criadora e Fundadora do Movimento IBDFAM, que a ajudou imenso nesta sua jornada. Foi graças a ela que percebeu realmente o que era a Doença de Crohn e tudo o que ela envolvia.
Assume que tem sido uma caminhada gratificante, pois o Crohn trouxe-lhe coisas más, mas, também, coisas muito boas. Conheceu pessoas fantásticas com DII, umas que ainda fazem parte da sua rotina, outras não, mas todas elas à sua maneira deixaram um pouco na sua vida.
Leva tudo pelo lado positivo, ironiza muito com as suas doenças e programa a mente para que tudo vai melhorar e salienta que é normal ter dias maus e que são eles que nos fazem ter força para mais um dia e continuar a luta.
Tem o apoio e a compreensão da família, que têm sido fundamentais nesta caminhada, e sem eles nada faria sentido.
Cita que “somos borboletas em constante Metamorfose” e, para ela, é o melhor que pode tirar de toda esta jornada de luta pela vida.
Nesta entrevista ao Love with Pepper, Carina numa conversa sem tabus e qualquer tipo de preconceito abre a sua alma e coração.
Para si o que é a Doença de Crohn?
Para mim a Doença de Crohn, ou no caso as DII, são doenças invisíveis. Numa abordagem geral, a sociedade, perante a maioria das doenças autoimunes, olha para estes doentes como que sejam dramáticos, preguiçosos, entre outras coisas que podia aqui nomear. E porquê? Porque estas doenças são invisíveis.
Na maioria das vezes, quando temos sintomas como a fadiga, dor, entre outros, as pessoas pensam que é tudo fictício. Infelizmente, em Portugal existe ainda muita falta de informação, muita falta de empatia.
Somos doentes -Lutadores, Homens e Mulheres muito fortes e com uma capacidade de resiliência muito grande, como costumo dizer: “vivemos quase que com um cancro a tempo inteiro”, que de vez em quando acorda e vira a nossa vida de pernas para o ar, e nesse tempo que estamos em crise, somos obrigados a ver a vida dessa mesma forma, de pernas para o ar, seguir em frente e enfrentar as dificuldades diárias que isso acarreta. Acima de tudo, sofremos uma alteração psicológica gigante, turbilhões de emoções diárias e, como diz e muito bem o psicólogo Jorge Assunção, “Estas doenças são como um Terramoto nas nossas vidas e de quem nos rodeia”. É uma doença extremamente debilitante, extremamente complexa e muitas vezes sorrir é mais fácil do que explicar o que nos vai na alma pois, para além da dor e cansaço físicos, temos ainda a fadiga, alterações de humor constantes, etc.
Como é viver com esta doença em Portugal?
Em Portugal as Doenças Autoimunes são ainda tabus e a sociedade apenas as consegue entender quando têm um caso muito próximo e veem de perto o que é, quais as consequências da doença e a luta diária dessas pessoas. Muitos hospitais não têm equipas multidisciplinares, o que nestas doenças pode ser catastrófico. Na maioria dos casos acabamos por sofrer de patologias extra DII, o que vai acumulando mais peso nos doentes e stress. A presença de um psicólogo na vida de um doente com DII é, a meu ver, fundamental e devíamos ter acompanhamento regular de especialistas tal como existe em outros países vizinhos. Existem centros próprios que acompanham os doentes e que diariamente estudam as alterações dos mesmos a fim de evitar internamentos súbitos, crises, etc.
Existe muita falta de conhecimento e informação na sociedade sobre as DII e, na maioria das vezes, a sociedade associa as DII apenas e só a diarreias, e isso não é de todo verdade. Temos muitos sintomas que vão além da ideologia dessas pessoas e, acima de tudo uma fadiga que nos vai consumindo diariamente.
Tenho conhecimento que faz parte de um ensaio clínico para esta doença. Que benefícios lhe trouxe para lidar com ela?
O Ensaio Clínico foi a minha salvação. Estou desde o início do tratamento em remissão medicamentosa, mas serei eternamente grata por tudo o que tenho vindo a conquistar e por ter aceite o ensaio sem pensar duas vezes. Temos os secretários de ensaio sempre contactáveis, somos vigiados de uma forma muito mais regular e, na realidade, se não existissem pessoas que arriscassem como eu fiz, não existiam tratamentos novos. Complicações, riscos e tudo mais podem existir com qualquer tipo de tratamento e isso foi no que me foquei.
Temos que pensar em soluções e não em problemas…
De que forma é que a medicação e os tratamentos que faz lhe afetam a sua vida sexual?
A medicação que faço para o Crohn, felizmente não me altera a líbido nem nenhum nível da minha vida sexual, mas, desde que me foi diagnosticada a Fibromialgia, essa medicação sim, alterou-me toda a minha líbido.
É medicação que atua no sistema nervoso central, que permitem que o nosso cérebro não passe informação errada, mas, como tudo, acaba por ter este tipo de efeitos secundários.
Quais os sintomas que influenciam a sua intimidade?
Claro que quando estou com diarreias, a minha intimidade e vida sexual ficam comprometidas, não é possível em pleno momento de cólicas ou diarreias ter apetite sexual, mas, graças a deus, tenho um marido que me apoia muito e é sempre muito compreensivo em todas estas situações, é necessário que haja confiança e muito companheirismo.
De que forma lhe afeta a libido, desejo e excitação?
No caso da doença de Crohn apenas me afeta quando tenho cólicas ou diarreias, por ter comido o que não devia, pois, a pessoa por vezes ainda comete pecados de gula e não resiste a alguns alimentos… Na medicação da fibromialgia, essa sim é outra conversa, pois notei que a minha líbido ficou muito alterada, mas se existir uma ligação forte no casal e acima de tudo amor, nada é impossível, apenas criamos outras formas para seja prazeroso para ambos. Consigo ter orgasmos e nesse aspeto não senti diferenças, apenas sinto que necessito de muito mais estimulação do que era normal.
Quais os desafios e obstáculos que enfrenta na sexualidade devido a esta doença?
Claramente, esse nunca foi um elefante em cima da nossa mesa, como existe uma grande cumplicidade entre nós, não sinto que a minha vida sexual seja afetada.
Como é que lida com o seu corpo e de que forma é que lhe afeta a sua saúde mental?
Graças a deus que na nossa relação estamos muito há vontade com a nossa fisionomia, amamo-nos sem esse tipo de limitações. Penso muitas vezes sim, se um dia tiver que ser ostomizada se vou reagir bem com essa mudança, se o meu marido vai ter dificuldades em olhar para mim nesse sentido, mas, como conversamos muito sobre isso, estava claramente a criar dramas na minha cabeça.
É possível ter uma vida sexual prazerosa e satisfatória com esta doença?
Claro que sim, sem dúvida alguma, claro que falo por mim, sei que existem casos diferentes, mas apenas posso falar sobre a minha situação.
Como é que aborda esta doença e questões relacionadas com a sexualidade com o seu companheiro?
Sem qualquer tipo de tabus ou limites, falamos sempre muito abertamente para que nunca existam névoas por desbravar. Somos muito cúmplices e isso permite que tudo seja esclarecido.
Como é que uma relação com 22 anos, sobrevive a esta doença?
Bom, com muito companheirismo, muita cumplicidade amor, carinho e sempre sem segredos.
É impossível esconder o que quer que seja do meu companheiro, pois isso, sim, iria criar uma barreira na nossa relação e não propiamente a doença em si. Um dos sintomas ou alterações que temos, são as de humor, conseguimos ir do 8 ao 80 em muito pouco tempo, e isso por vezes é mal interpretado. Mas de facto a nossa relação sobrevive.
Sente-se uma mulher segura a nível sexual?
Sim, quando existe uma ligação como a que tenho, e isso é extremamente importante.
Considera que o nosso SNS e os nossos profissionais estão preparados para lidar com este tipo de doenças e abordar o tema sexualidade para estes?
Na realidade não, acho que os nossos profissionais de saúde precisam de mais apoio do SNS, a nível de formações neste contexto, pois é ainda um tema que é demasiado sensível de abordar, tanto para a maioria dos doentes como para a maioria dos profissionais de saúde, daí a importância das equipas multidisciplinares nestas doenças.
Em Portugal existe algum grupo de apoio para doentes de Crohn?
Existem as associações que tentam à sua maneira auxiliar os doentes com DII, mas a nível de apoio, o grupo que sinto que tem mais impacto e que realmente consegue passar a informação da melhor maneira é o Movimento IBDFAM.
Como vê o futuro para esta doença?
Bom, claramente com o avanço da medicina e os estudos que estão a ser feitos, espero que se consiga a curto prazo pelo menos chegar ao diagnóstico da mesma, sem a necessidade de que o doente entre em crises agudas para tal. Mas tenho receio sim do estado em que se encontra o nosso SNS. Somos cada vez mais vítimas destas “Guerras” entre partidos políticos que não conseguem de forma alguma pensar que estes casos são graves e podem realmente vir a “custar muito dinheiro ao Estado”, daí muitas petições que têm existido dentro das associações para criar uma melhor qualidade de vida para os doentes.
Sexualmente realizada. Vida feliz. É o lema do Love with Pepper, concorda?
Sem dúvida alguma.
Apesar de todas as adversidades o sexo é bom.
Muito, a ligação entre um casal, a cumplicidade e o prazer do ato em si, cria cada vez mais
laços e companheirismo. Esses elos fazem com que a nossa parte psicológica esteja mais equilibrada e que exista mais cumplicidade entre o casal. São esses momentos que nos trazem realizações e que equilibram a vida familiar. A metamorfose é isso mesmo, mudar e ter a resiliência de nos adaptarmos às mudanças….
Carina Sousa, Doente de Crohn
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