A ENDOMETRIOSE
O que é a endometriose? Que sintomas revela e como se faz o diagnóstico?
A endometriose consiste na presença de tecido endometrial - que é a camada que forra a cavidade uterina - fora do útero. Dentro do útero existe uma camada que todos os meses fica mais espessa para receber uma potencial gravidez que, não ocorrendo fecundação, há um estímulo hormonal para a descamação dessa mesma camada desplotando a menstruação. Quando células dessa camada (chamada de endométrio) passam a existir e a “menstruar” fora do útero existe endometriose. A doença pode estar presente em praticamente todos os órgãos da mulher sendo mais frequente na pelve (ovários, trompas, intestino, bexiga, ureter,... ) mas, pode existir em localizações extra-pélvicas (diafragma, tórax e sistema nervoso central). Os sintomas estão dependentes da localização e extensão da doença. A dor é o sintoma mais comum, inicialmente cíclica relacionada com a menstruação e/ou ovulação, mas, em quadros mais severos, a dor pode ser crónica. Em nomenclatura médica, os sintomas mais frequentes são dismenorreia (dor menstrual), dispareunia (dor na relação sexual), disquésia (dor na defecação), disúria (dor na micção), escapulodínea (dor na omoplata), lombalgia (dor lombar) e dor pélvica crónica.
A endometriose é a causa conhecida mais frequente de infertilidade. Das mulheres com endometriose, estima-se que 30 a 50 por cento tenham infertilidade. Das mulheres que apresentam infertilidade, estima-se que 25 a 50% também tenham endometriose.
O diagnóstico presuntivo assenta na colheita de uma história clínica cuidada, exame ginecológico e estudos complementares dirigidos como ecografia e ressonância magnética. O diagnóstico pode ser confundido pela sobreposição de patologias com sintomas semelhantes, como miomas, adenomiose e doença do intestino irritável. O diagnóstico definitivo é histológico e passa, muitas vezes, por uma laparoscopia.
Para muitas doentes, pode levar até 10 anos para receberem o diagnóstico correto de endometriose. Essa longa demora muitas vezes significa consultar inúmeros especialistas, serem submetidas a vários testes e estudos, passar por tratamentos fracassados e suportar anos de angústia e sofrimento desnecessários. Isso também significa que, enquanto isso, estamos permitindo que a condição progrida ao longo desse tempo, e isso pode levar à infertilidade, dor persistente ou disfunção de órgãos como intestino e bexiga.
Existem dados relativamente ao número de casos desta doença em Portugal? E no mundo? A endometriose pode levar à morte?
Os números exatos da prevalência da doença em Portugal não são conhecidos. Globalmente, estima-se que aproximadamente 10% das mulheres em idade reprodutiva tenham endometriose. Determinar a prevalência de endometriose na população geral é um desafio porque algumas doentes são assintomáticas, aquelas com sintomas podem ter apresentações variadas e inespecíficas, e o diagnóstico definitivo geralmente requer cirurgia. As faixas de prevalência relatadas para diferentes populações incluem: indivíduos assintomáticos (1 a 7 por cento); indivíduos submetidos a histerectomia por indicações benignas (15 por cento); adolescentes com anomalias do trato genital (40 por cento); mulheres com infertilidade - até 50 por cento; mulheres adolescentes e adultas apresentando para avaliação de dor pélvica crônica - até 70 por cento.
Assim, no nosso país, estima-se que existam perto de 300.000 mulheres portadoras de endometriose (à data dos Censos 2021). No mundo, a estimativa ultrapassa as 180 milhões de mulheres que vivem com endometriose.
Normalmente, a endometriose trata-se de uma doença benigna. Nos casos mais severos, poderá comprometer a função renal, trânsito intestinal e causar outras comorbilidades mais exuberantes, dependendo da localização e extensão da doença. Parece haver um risco aumentado de cancro do ovário, particularmente do tipo endometrióide, mas também do tipo de células claras, em mulheres com endometriose ovárica. O risco de transformação maligna da endometriose foi estimado em 1% para mulheres na pré-menopausa e, de 1 a 2,5% para mulheres na pós-menopausa.
Que tratamentos existem para a doença? São eficazes?
As decisões de tratamento são individualizadas e consideram a apresentação clínica (por exemplo, dor, infertilidade, presença de tumefações pélvicas), gravidade dos sintomas, extensão e localização da doença, desejos reprodutivos, idade da doente, efeitos colaterais da medicação, taxas de complicações cirúrgicas e custo.
A escolha de um plano de tratamento é baseada tanto na tolerância ao risco e nos objetivos do paciente quanto na eficácia do tratamento.
O tratamento da doença intestinal ou retovaginal é indicado se os sintomas característicos estiverem presentes (dispareunia profunda, disquezia, sangramento retal cíclico) e a endometriose retovaginal for identificada na avaliação. O tratamento da endometriose intestinal é indicado para sintomas gastrointestinais inespecíficos (por exemplo, sangramento retal, constipação, distensão abdominal) somente se outras etiologias desses sintomas tiverem sido excluídas. O tratamento cirúrgico urgente é indicado nos raros casos em que uma mulher apresenta obstrução intestinal ou ureteral. Por outro lado, mulheres assintomáticas ou com sintomas leves são tratadas de forma expectante.
A endometriose poderá ter uma abordagem terapêutica médica (ou medicamentosa) ou cirúrgica.
O tratamento cirúrgico fornece tratamento diretamente correlacionado aos sintomas da doente, proporcionando alívio da dor a longo prazo e está associado à melhoria da qualidade de vida. A ressecção cirúrgica fornece um diagnóstico histológico e reduz a dor ao destruir os implantes endometrióticos. A ressecção cirúrgica pode ser conservadora (tratamento das lesões de endometriose por ablação ou excisão), definitiva (histerectomia, com ou sem ooforectomia, além da ressecção da endometriose) ou radical (remoção de todos os implantes visíveis no momento da cirurgia).
As vantagens do tratamento medicamentoso incluem que ele trata todos os locais da doença simultaneamente, pode ter benefícios adicionais (por exemplo, controlo da natalidade), geralmente é bem tolerado.
As desvantagens do tratamento médico são que ele deve ser continuado até à menopausa (quando a endometriose normalmente regride), não é eficaz em todas as mulheres, pode levar mais tempo para obter efeito e a interrupção pode resultar em recorrência dos sintomas. Além disso, as mulheres que estão tentando engravidar devem interromper os medicamentos hormonais pois, eles interferem na ovulação e são potencialmente teratogénicos.
Para mulheres com endometriose e infertilidade, existem tratamentos focados na resolução da infertilidade, incluindo a remoção cirúrgica da endometriose com restauração da anatomia normal ou técnicas de reprodução assistida.
Porque acha que se fala tão pouco desta doença?
Muitas mulheres acreditam que as suas experiências de menstruação são normais, muitas vezes por causa do que as suas mães lhes contam, então frequentemente não procuram tratamento. Os profissionais médicos acham difícil diferenciar entre queixas menstruais “normais” e sinais ou sintomas sugestivos de endometriose.
Ao contrário de outras condições ginecológicas, não temos grandes ferramentas de diagnóstico para endometriose – não há um exame de sangue específico ou um estudo de imagem que possa confirmar definitivamente a condição – por isso pode ser difícil identificar.
O que acha que ainda falta fazer, em termos de leis, para que estas mulheres se sintam mais apoiadas?
Deverá ser promovida uma estratégia de promoção do diagnóstico precoce pois, isso fará a diferença em termos de prognóstico para se evitarem quadros avançados em que, muitas vezes, a capacidade reprodutiva da mulher é afetada de forma irreversível e os efeitos, a nível dos órgãos pélvicos, poderão ser bastante marcados e incapacitantes. Assim, os médicos de medicina geral e familiar, nos centros de saúde, deverão ser a primeira linha no diagnóstico, avaliação e orientação terapêutica destas mulheres.
A maioria das doentes com endometriose está em idade fértil e, portanto, em idade ativa. Logo, a incapacidade causada pelos sintomas e pelo seu agravamento, em consequência da falta de diagnóstico e de tratamento, leva ao isolamento social e ao absentismo escolar e laboral.
Assim, considero que se deva promover, junto da sociedade em geral, da comunidade escolar e dos profissionais de saúde, campanhas de literacia para a informação, sensibilização e consciencialização sobre a endometriose. Incentivo à constituição de equipas multidisciplinares, nos serviços de ginecologia hospitalares, para o devido e adequado acompanhamento e tratamento das doentes com sintomas e/ou diagnóstico de endometriose. Promoção da emissão de Normas de Orientação Clínica e guidelines relativas à endometriose, assegurando a sua devida implementação e execução. A inclusão da endometriose na lista de doenças graves que permitem o alargamento da idade para recurso à Procriação Medicamente Assistida em pessoas diagnosticadas com estas doenças.
Fomentar a investigação cientifica e a realização de estudos clínicos relacionados com a doença envolvendo as universidades e escolas de medicina portuguesas.
Prof. Dr. Hélder Ferreira, Ginecologista- Obstetra
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